Abrindo o Livro de Cabeceira
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Sunday, November 27, 2005 eu vejo muitos se prendendo ao romantismo óbvio dos cíclopes enquanto há tanto a ser devendado, um capítulo que era uma possibilidade de livro e depois um livro, a terceira parte que é uma espécie de diário de todas as outras... é uma pena, uma pena.-kikks 2:02 PM
Thursday, November 24, 2005 lista de coisas esquecidas- um par de chinelos vermelhos (sujos e gastos) - carte orange (que não serviria de nada aqui, está lá desde 2003) - minha bolsa de ir para a escola - um livro de julio cortázar - um frasco de hidratante - letras na geladeira (ok, estas já estavam lá) - páginas escritas - páginas em branco - cartas e vontades coisas encontradas aqui no meio da tarde - um trecho de um livro esquecido em paris ?Que sentido teria explicar? O simples fato de que fosse necessário mostrava ironicamente sua inutilidade. (?) aquilo que Tell não pudera imaginar e que acontecera no fim de tantas coisas que nenhum de nós tinha imaginado mas que estavam ali, tinham acontecido por si mesmas. (?) Não teria sentido explicar nada, a única coisa possível era te procurar em Paris , e isso sim me era permitido. (..) tudo aquilo me dizia respeito e te dizia respeito, era nós mas como por fora, uma sucessão de ligações que começava sabe-se lá quando.? (páginas 204-205) 62 modelos para armar - julio cortázar -kikks 7:23 PM
Tuesday, November 22, 2005 eu ouvia uma canção e sabia que ela grudaria lá no fundo, cinza-esverdeada, uma prova de uma noite mal-dormida. cinzeiro sujo, ele sempre descrevia os cigarros deixados em um recipiente próprio para guardar lembranças. dei de presente para uma amiga um pouco de cinzas e de lágrimas. um pouco do seu cheiro. ela não sabia que se tratava exatamente do seu cheiro. nem eu. guardo cheiros desconhecidos dentro de caixas de papelão. quando queimo um pouco de memória, sua presença está viva. emoções e dinastias, definiu amélie nothomb. tinha dias muito quentes que eu me perdia nos subsolos e escadas rolantes e era tão puro o meu medo. medo dentro de malas perdidas em esteiras que atravessavam quarteirões subterrâneos. e quando você me perguntava como havia sido o meu dia eu dizia que tinha feito algumas caminhadas banais por ruas conhecidas. que tinha falado com uma ou duas pessoas pelo telefone. que tinha tomado um pouco do sol que restava naquela hora do dia. o dia acabava em rampas. ou em outras escadas que me transformavam agora em dona da cidade. de lá eu via tudo, as luzes se acendendo no início da noite, a mesa bem colocada, uma luminária vermelha ao lado da cama. vidas envidraçadas. minhaas janelas estão sempre abertas. vou para a cama com gosto de cigarro e pasta de dente. caio delirando embaixo do travesseiro. lençóis e lágrimas secas em forma de letras.-kikks 3:44 AM
ela canta: cinza das horas eu penso: passado -kikks 3:34 AM
Sunday, November 13, 2005 abri um baú de letras prontas. não exatamente aquelas que escorriam se mesclando com a superfície. era tinta quase invisível, um movimento, dois, vários movimentos. as pontas dos dedos e a pele um pouco gasta e rasgada. porque é assim. não sei o que acontece mas é exatamente assim que me sinto, rasgada, exposta, dilacerada. e tão limpa, absurdamente limpa, acabando de nascer, lambida, me alimentando de restos de vida, daquilo que me nutria de vida quando eu nem pele tinha. achava (eram tantas coisas que eu achava naqueles tempos) que a exposição me fazia viva. assim, sentia mais. depois que a pele se formou passei a sentir tanto, a sentir inclusive o vazio, o invisível, as hipóteses sangrentas. aqui há mais limão. só um pouco. você para mim é isso, é esse gosto, raspas de realidade. deixei minha pele na casa de número 19, de onde ela saiu para ficar trancafiada num edifício de paredes brancas. quando quis visitá-la, ela estava interditada. foi o que me disseram em outra língua. agora estou aqui de novo, desfiada. mais uma vez, letras prontas. o que eu li era tão cheio de vida, li há uns meses uma situação que aconteceu muito tempo depois. exatamente assim, repito. eu abri um livro e fumei um cigarro cortado pelo vento e pelos carros que temiam cortar meus pés que cobriam a rua estreita. mas eu não tinha mais pés. despreocupada. havia sol em alguns momentos. parece que agora não há mais vida, apenas pequenas bolhas no fundo do copo, ou da lata se estivesse aí. assim me refugiava num canto e abria um livro, com o estômago perdido entre passado e presente, entre presente e futuro. formando uma superfície lisa e limpa para ser arrancada mais uma vez. arrancada de mim mesma. como isso é possível, ter a mesma mesa, o mesmo teclado, os mesos pés. hoje, cortaram meus braços, um corte profundo no braço esquerdo, quatro no direito e um rasgo de dentes. a tradução literal do golpe é pulso. cortaram os meus pulsos. no entanto, continuo inteira entre traduções. me vejo decifrando letras prontas e cheias de vida. acalentando memórias. mais uma vez, perfurando o estômago com agulhas finas, espinhos de peixes, de flores, lascas de madeira. um dia, eu vou abrir este baú mais uma vez e rir das incongruências. rir de folhas de papéis soltas, que nunca existiram de fato, cartas para ninguém, para mim mesma. lidas em voz baixa, apenas com os olhos e com o corpo. são 29 anos a procura de uma pele que tem dono. meu único prazer tem sido letras já evaporadas com o tempo. uma pedra aqui, outra lá. nos últimos meses, fui oliveira vendo maga por todos os cantos. ele volta para sua terra natal e não fala a mesma língua de antes. ele fala pouco e se encontra no abismo delineado de linhas e números. o céu que ele via era o céu que eu via. o mesmo céu, as mesmas ruas. as mesmas pontes e encontros inesperados.-kikks 12:38 AM
encore
-kikks 12:38 AM
Saturday, November 12, 2005 perdida entre duas linhas com toda a pertinência que cabia a elas - sem falar na simetria de como os elementos que as compunham estavam todas lá - saí pelas ruas no meio do fôlego suado das quatro da tarde. sol a pino e vento cortando as costelas, entre a pele e o tecido, queria ir para aquela vitrine de berlim que me abrigou depois de uma manhã de lágrimas, de dizer que eu não podia e não podia mesmo sabendo que minha vida poderia ser desenrolada dependendo do que eu pudesse ou não pudesse. depois de subir dois andares e ver que não era a minha casa e que havia um vaso colocado em uma quina que parecia uma escultura antiga, me entorpeci pelo balanço e o barulho do motor. dormi por dez segundos e acordei perdida sobre um viaduto. sentei e chorei. poucas lágrimas, meio esmagadas no meio de tantas decisões não tomadas. chorei a perda da espera. chorei a decisão que eu não tomei. chorei a distância. chorei as linhas onde eu havia me perdido. chorei meus últimos anos. eu via o mapa de são paulo nascendo e morrendo sob as minhas botas, preto e branco preto e branco preto e branco. e lá embaixo um monte de carros, quantos metros davam até o chão? desci escadas e me deparei com mais ventos em corredores duros, eternamente agradáveis. rostos envidraçados e sem cor. diversidade morta. onde é que eu vim parar? movimento uniforme de pernas. alfinete caído em algum lugar. não há sangue, pelo menos isso. ignorei minha passagem preferida, inundada de folhas. dei com a porta na cara. sentei numa escada de casarão antigo. e não havia mais lágrimas. olhei para trás, para um mural de formas de passado, pensei em palavras, é o tempo todo assim, pensar em palavras. sentia grãos de areia muito duros na bunda e me perguntava que praia estranha era aquela que me machucava tanto. mesmo assim, conforto. capuccino, caderno e sonhos de máquina de escrever. percorri mais mapas em linha reta, fácil assim, sem me perder. nunca tinha visto a paulista com tantos hippies, artesanato ordinários e chineses com o dente amarelo vendendo yakisoba.-kikks 2:17 AM
yoko ogawa (traduzida) 'Eu recomecei meu trabalho de free-lance. Eu tinha a impressão que o mundo ao meu redor tinha repentinamente se tornado plano. Não havia mais espessura nem nas cenas de rua nem nas pessoas com quem eu cruzava, poderíamos dizer uma colagem de má qualidade. Eu tinha a impressão que bastaria um gesto um pouco brusco para rasgar tudo facilmente.' 'Quando eu corria em meio à multidão para ir a uma entrevista, quando meu esmalte descascava ou quando eu me preparava para fechar as cortinas de noite, eu era bruscamente invadida pela impressão de que eu tinha perdido aquilo que me era mais precioso. Eu tentava apagar este pensamento de minha cabeça, mas ele não me deixava e, não encontrando nada em que pudesse me apoiar, eu acabava por não ter outra solução que me agachar, impotente.' -kikks 2:14 AM
Monday, November 07, 2005 percorri o mesmo caminho que andam percorrendo e não havia nada. nem rastros de sombra.-kikks 11:50 PM
Wednesday, November 02, 2005 hi-biuniverso que dá formas à terra. redondas, finas, ásperas, porosas. a casca do ovo. fiquei pensando em como é o seu processo, não cheguei lá. as paredes eram folhas de papéis, portas que se abrem em trilhos, transparências. eu me encanto. toujours poderiam dizer. toujours assim repito. sempre há algo a ser desvendado. penso se isso realmente abala. sabe essa coisas que eu explico em mil palavras tem gente que faz um desenho, uma dobra bem-acabada, uma forma fina, bem fina e branca. ao mesmo tempo, abre uma laranja com a ponta dos dedos e coloca para fora todas as suas vísceras. assim transpassa a água num mergulho. nas suas mãos, a síntese do sintético. |
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