Abrindo o Livro de Cabeceira
|
||
estado bruto * estado puro Livros Livro 1 Livro 2 Livro 3 Livro 4 Livro 5 Livro 6 Livro 7 Livro 8 Livro 9 Livro 10 Livro 11 Livro 12 Livro 13 Livro 1b Livro 2b Livro 3b Livro 4b Livro 5b Livro 6b Livro 7b Livro 8b Livro 9b Livro 10b Livro 11b Livro 12b Livro 13b Livro 1c Livro 2c Livro 3c Livro 4c Livro 5c Livro 6c Livro 7c Livro 8c Livro 9c Livro 10c Livro 11c Livro 12c Livro 13c Livro 1d Livro 2d Livro 3d Livro 4d Livro 5d Livro 6d Livro 7d Livro 8d Livro 9d Livro 10d Livro 11d Livro 12d Livro 13d Livro 1e Livro 2e Livro 3e Livro 4e Livro 5e Livro 6e Livro 7e Livro 9e Livro 10e Livro 11e Livro 13e Livro 1f Livro 2f Livro 3f Livro 4f Livro 5f Livro 6f Livro 7f Livro 8f Livro 9f Livro 10f Livro 11f Livro 12f Livro 13f Livro 1g Livro 2g Livro 3g Livro 4g Livro 5g |
Friday, July 26, 2002 Café com cheiroNúmero de caracteres: 1.446 Me senti a tia Miriam, sentada na mesa depois do almoço, tomando café. Só que ela fumava Hollywood, e eu, Luck Strike light. O que não deve fazer muita diferença. Apesar dos reais que nos afastam, temos alguma coisa em comum. Tia Miriam mora em uma casa modesta no Bairro do Limão. Ela nem minha tia é – de sangue, eu digo. É peituda e não tem os olhos puxados. Me ensinou a fazer latas “decoradas” com velas coloridas. Tinha bonecas com roupa de pelúcia sobre a cama e perfume barato na penteadeira. O melhor de tudo é uma cristaleira que ela herdou da minha avó Toshiko – aquela, que morava na Mooca – lotada de quinquilharias. Objetos de plástico estilo brindes de Kinder Ovo e mais o que você quiser colocar lá dentro. Porque lá, cabe tudo, todas as pessoas, todos os parentes. Tudo que há de mais kitsch no mundo, como o copo de plástico cor de rosa com bolinhas que eu achei na loja “Tudo por 2 reais”. A casa do tia Miriam é quente, abafada. E tem um cheiro doce. A maioria das casas abafadas têm cheiro doce. Eu me lembro de quando cheguei na Pousada das Carrancas depois de ter atravessado uma pinguela de salto alto e mala pesada. A casa do Rinaldo tinha cheiro doce. Tão doce a ponto de eu estranhar na primeira noite. Aqui na casa do Dudu foi assim, embora o cheiro não seja muito doce. Pensei em alguma ligação entre homem solteiro morando na praia. Mas menino da Marcia Kupstas morava com a avó. E morria em um quarto de cheiro doce. -kikks 6:54 PM
Thursday, July 25, 2002 MadrugadaNúmero de caracteres: 206 Eu na terra do Capibaribe. Noite de lua cheia, dando de cara com o letreiro de neon VIDEO CLIP aqui na frente apagado. Me pergunto: o que será que alimenta a sua alma? Mais que isso. O que alimenta a minha? -kikks 7:32 AM
Sunday, July 21, 2002 Para quem viu Janela da AlmaNúmero de caracteres: 4973 Rio, 19 de julho de 2002. obs 1 => acabei de comprar um bloco obs 2 => acaber de ver Janela da Alma obs 3 => comprei o caderno porque precisava escrever obs 4 => estou na Livraria Prefácio Eu vivo através de palavras. Antes de chegarem no papel, elas já se organizam na minha cabeça. Estrutruras frasais perfeitas e, às vezes, muito mais interessantes que as escritas. Isso quando estou incapacitada de escrever. Mas também ouço a minha voz e vejo os significados do que escrevo na mente. Penso, analiso. Crio romances. Romances, não. Pequenas crônicas mentais. E me lamento muito quando perco uma delas, ou parte delas. Parece que vão para o buraco negro dos isqueiros e canetas Bic. E, por falar nisso, acabei de comprar uma caneta Bic preta. A minha favorita para escrever. De caneta em punho, psicografo outras vezes. E reflito. Gosto de ver o esmalte vermelho – não, pink – na pele branca. A tinta preta no papel branco. O cheiro do Miguel nas minhas narinas. Narina é uma palavra feia, esquisita, de sonoridade bizarra. Parei a porta de ferro da papelaria , que estava prestes a fechar. Escrever é uma necessidade básica. E corri para a Livraria Prefácio – meu porto seguro aqui no Rio. Meu útero. Não sei porque tanto escrevo. Ninguém vai ler. Escrevo para mim, para me sentir aliviada. Acho engraçada essa necessidade de anotar tudo em papel. Em Before Night Falls alguém pergunta: “Por que você escreve?”. Pensei que preciso disso para me manter viva. Preciso aprimorar a minha caligrafia para sentir as palavras mais belas. Preciso de caneta Bic porque ela escorrega no papel. Se eu fosse publicar um livro, queria que ele fosse escrito a mão. Porque a letra reflete as emoções. Mostra se estou nervosa ou calma, se tenho pressa ou cuidado. Se estou sendo passional, criativa ou cautelosa. Acabei de assistir Janela da Alma. E, em cinco minutos, já tinha esboçado sobre o que eu queria escrever. Mais que isso. Tinha necessidade de fazê-lo. Quase fui atropelada tamanha a pressa de chegar à papelaria do outro lado da rua. Porque tenho que escrever sobre as coisas mais importantes que vivi. Pelo prazer de escrever e o de ler – e, então, reviver. Só agora vou começar a escrever sobre o começo. Sobre o que pretendia começar a escrever. (Parêntese: como alguém tem um celular cujo toque é a música Palco, do Gil?) Eu não queria nunca que esse bolo de rolo com chocolate quente e biscoitos de manteiga acabassem. Na verdade, eu queria escrever que já tinha visto Janela da Alma antes de vê-lo. Pelos olhos do Gustavo Lacerda, pensando nas sensações, no que é ver. Pelos olhos da Andrea, preocupada com o que compõe o ver. Pelos olhos da Araci, que também falou muito sobre a riqueza (e beleza) do filme. Lembro que comentei a minha memória da Prefácio (este lugar aqui onde estou) era completa. Não disse assim, com este tom arrogante. Disse assim, com os olhos brilhando. Porque ela tem cheiro, tem o banheiro que brilha, de azulejos brancos e claros. O chão da escada de madeira que leva ao mezanino rangendo sobre as taças de vinho que sob ele ficam penduradas, o gosto do tinto Miolo que eu tomava solitária no balcão fumando um cigarro antes de ir para a casa e que também regou algumas reuniões de pauta. As músicas que me trazem lembranças (a do Everything But The Girl que toca agora me faz lembrar da Dani e do Bwokaa no almoço com estrogonofe seguido de sol e vento na cobertura do prédio, e do Tommy também), o CD do Nelson Sargento que comprei quando ainda morava no Rio. As paredes rangendo e o ventilador no andar de cima quando comprei o primeiro presente de aniversário para o Miguel e o que isso tudo provocou na minha pervertida mente. E os livros, os que comprei, folheei, os quadrinhos que li e tudo que eu quero ler (o próximo é o visceral Silent Book, de Miguel Rio Branco). As imagens em que eu vejo os meus amigos. E o constrangimento sempre que o celular toca. Voltando ao filme, alguns fatos me chamaram a atenção. Coincidentemente, dois cineastas. Win Wenders por ser a minha antítese. Ele não usa lentes de contato porque gosta de ver o mundo enquadrado pelos óculos – para mim, um aprisionamento. Foi lindo sentir-me livre, estranhar a profundidade “real” das coisas, a luz límpida e clara brilhante – proporcionados pela primeira vez usando lentes de contato. Parecia que tinha tomado ecstasy e descobria o mundo puro. Foi uma das vezes em que me senti mais livre em toda a minha vida. Assim como quando me vi sem a ansiedade. Foi um novo olhar também, que me trouxe a silvana contando sua primeira vez de óculos. “O mundo é assim, todas as pessoas enxergam assim?” Eu vejo assim e sinto assim. Tanto que o que mais me tocou foi Agnes, a cineasta, filmando a pele, os pêlos do marido. A proximidade. Fiquei emocionada com o amor íntmo e próximo traduzido pela sua maneira de olhar. “Quero isso”, pensei. Me fotografe assim que eu te escreverei assim. |
|